Nota Pastoral de D. José Cordeiro 2020/2021
Uma Igreja Una e Santa. Tu interessas-me!
A Busca. «Jovem, Eu te digo, levanta-te» (cf. Lc 7,14)
Pax!
Recomeçamos juntos no itinerário de acesso à vida eterna: por Cristo, com Cristo e em Cristo. Neste seguimento, propomo-nos a um triénio litúrgico e pastoral eclesiológico de “Igreja em saída” com todos, acompanhando e escutando na fé adulta, nomeadamente, as crianças, os adolescentes e os jovens num renovado sentido eclesial: Uma Igreja Serva que educa, celebra e festeja, rumo à Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023. Igreja é Missão. Tu interessas-me!
No Credo, assim professamos: «creio na Igreja una, santa, católica e apostólica». Para o primeiro Ano litúrgico e pastoral, gostaríamos de testemunhar as duas primeiras notas da Igreja – Una e Santa – guiados pela palavra de Jesus: «Jovem, Eu te digo, levanta-te» (cf. Lc 7, 14), dedicada para o primeiro ano do caminho para a JMJ. Eis o nosso desafio quotidiano.
A ressurreição do filho único da viúva de Naim mostra que Jesus Cristo é a Vida que salva. Santo Agostinho comenta: «Se a mãe viúva (de Naim) se alegrou com a ressurreição do jovem, a nossa Mãe, a Igreja, alegra-se diariamente com a ressurreição espiritual dos homens».
Sim, Jovem bota-te a andar! Por isso, a grande linha de ação na pastoral juvenil será a busca, isto é, buscar Deus: «a convocação, o chamamento, capaz de atrair novos jovens para a experiência do Senhor. (…) Nesta busca deve-se privilegiar o idioma da proximidade, a linguagem do amor desinteressado, relacional e existencial que toca o coração e chega à vida, despertando esperança e desejos. É necessário aproximarmo-nos dos jovens com a gramática do amor, não com o proselitismo» (Papa Francisco, Christus vivit 210-211). A vida é uma constante busca. O desejo e a busca de Deus é um caminho que nunca perde a frescura do encontro, como a esposa do Cântico dos Cânticos: «Vistes aquele que o meu coração ama?» (Ct 3,3).
O Evangelho da vida é lugar de escuta «Levanta-te e sê assíduo em vir a escutar os seus ensinamentos» (Eclo 6, 37) e de compromisso «Levanta-te, tu que dormes; levanta-te dentre os mortos e Cristo te iluminará» (Ef 5, 14), nos enormes desafios que o tempo duro de pandemia nos incita a uma maior conversão ecológica integral. Estes desafios pedem a nossa resposta pessoal: «A fé é a resposta a uma Palavra que interpela pessoalmente, a um Tu que nos chama pelo nome» (Papa Francisco). Estamos todos interligados no horizonte da fraternidade universal e da amizade social, que este tempo de pandemia covid-19 ainda mais nos demanda nos processos da missão. Sejamos construtores de uma pandemia de Esperança! Estaremos dispostos a mudar os estilos de vida pessoal e da pastoral eclesial?
Alguns pensam que os jovens estão perdidos. Os jovens não estão perdidos, porventura, poderão estar desorientados neste tempo que nos toca viver. Por este motivo, o Papa Francisco convida: «De modo especial aos jovens quero lançar um desafio: parti à procura da vossa herança. O cristianismo torna-vos herdeiros dum património cultural insuperável, do qual deveis tomar posse. Apaixonai-vos por esta história, que é vossa». Não podemos viver sem memória. Na amizade inter-relacional saibamos dar vez e voz aos jovens e acompanhá-los nos sonhos e nas escolhas.
Para que serve a vida, senão para a dar? A memória e a busca das suas raízes fazem de nós um povo de peregrinos em demanda da plena luz que a cruz pascal nos oferece. Sejamos peregrinos com Esperança, confiados a Deus e à Palavra da sua Graça e nunca desistamos do caminho fraterno. O que nos faz verdadeiramente felizes é amar e servir.
1. Tu interessas-me!
Conta-se que certo dia um jovem, à busca da vocação, procurou uma Eremita diocesana. A Eremita, mulher mais habituada a escutar do que a falar, ouviu-o atentamente sem o interromper… O jovem estava desiludido … falou do seu desencanto em relação à Igreja em geral, à Diocese e à sua Paróquia em particular. Afinal, sonhara tanto com uma comunidade ideal, sem defeitos e sem problemas, quase quimicamente pura, e nela só encontrara pessoas com imperfeições: da equipa formadora, ao Pároco, passando pelos seus colaboradores mais diretos, até à generalidade dos cristãos que habitualmente participavam nas celebrações litúrgicas e andavam sempre na Igreja … todos tinham defeitos: avarentos, orgulhosos, ambiciosos, vaidosos, aduladores, intriguistas…
A experiente Eremita diocesana levou-o, então, a um lugar não muito distante, onde havia uma pequena capela, ajoelhou-se, recolheu-se, por breves momentos em oração, e depois perguntou-lhe: «O que estás a ver?» A resposta foi imediata: «Vejo uma velha e pequena capela de madeira, com algumas tábuas bastante apodrecidas e a pintura toda descolorida!» «É verdade», respondeu-lhe a Eremita diocesana. «A capela é isso mesmo que disseste. Mas, apesar desta pobreza, aqui habita Deus!...»
«O mesmo acontece com a Igreja, com a Diocese, com o Seminário e com a tua Paróquia, com o Arciprestado e com a tua Unidade Pastoral. Elas não são santas, tão puras e perfeitas como desejas, porque são formadas por homens e mulheres chamados a serem santos, mas devido à sua condição humana, são pecadores. Tu também és um ser humano e, por isso, continuamente experimentas as tuas próprias limitações e pecados...»
Continuou a sábia Eremita diocesana: «mesmo que encontrasses, um dia, a Igreja bela, a Diocese fantástica, o Seminário ideal, a Paróquia perfeita e a Unidade Pastoral fantástica elas deixariam de ser belas, fantásticas, ideais e perfeitas logo que tu entrasses nelas!».
Esta história ela deve fazer-nos pensar e procurarmos olhar a realidade que vivemos e como pensamos e refletimos a Igreja que formamos e, mais ainda, colocarmos em atitude de escuta para percebermos, não o que nós queremos, mas o que Deus quer para esta Igreja local que tem um rosto visível no Presbitério, na Paróquia, na Unidade Pastoral, no Arciprestado…
No jovem da história reconhecemos tantos jovens e tantas pessoas desiludidas com a Igreja… Neste jovem da história, muito ou pouco, cada um o saberá… está uma parte de cada um de nós… tantas vezes desiludidos e dececionados… tudo isto é fonte de desencanto e rotina. Deixamos o ser e o viver de Cristo, fonte que jorra permanentemente água viva, permanente novidade e desafio, para mergulharmos nas águas agitadas do fazer, onde o fazer se sobrepõem ao ser… e deixamos facilmente o essencial para dar lugar ao secundário perdendo a dimensão profética que a Igreja está chamada a viver no mundo…
2. A Igreja que eu amo
Há mais de cinquenta anos a Igreja foi chamada a refletir sobre si mesma e sobre a sua missão. Aliás, a preocupação que dominava os Padres Conciliares pode ser sintetizada numa pergunta: “Igreja, o que dizes de ti mesma?”
É importantíssimo não esquecer que a Constituição sobre a Igreja começa com as palavras Lumen Gentium, afirmando: «A luz dos povos é Cristo: por isso, este sagrado Concílio, reunido no Espírito Santo, deseja ardentemente iluminar com a Sua luz, que resplandece no rosto da Igreja, todos os homens, anunciando o Evangelho a toda a criatura (cfr. Mc. 16,15)» (n. 1).
A Igreja sem Cristo não existe, pois ela é um sacramento de Cristo: «Mas porque a Igreja, em Cristo, é como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano, pretende ela, na sequência dos anteriores Concílios, pôr de manifesto com maior insistência, aos fiéis e a todo o mundo, a sua natureza e missão universal. E as condições do nosso tempo tornam ainda mais urgentes este dever da Igreja, para que deste modo os homens todos, hoje mais estreitamente ligados uns aos outros, pelos diversos laços sociais, técnicos e culturais, alcancem também a plena unidade em Cristo» (Lumen Gentium 1).
A Lumen Gentium é central na estrutura do Concílio Vaticano II. Esta Constituição dogmática articula-se em oito capítulos. O seu conteúdo profundo é o mistério da Igreja, que tem a sua incarnação histórica no povo de Deus. A corporeidade histórica do povo de Deus decorre da constituição hierárquica da Igreja e da inserção da Igreja no mundo e na história, em especial pelos fiéis Leigos. O fim específico da Igreja é a vocação de todos à santidade. A vida consagrada, como quase ‘porta-bandeira’ evidencia o fim transcendente da Igreja. A última parte da Lumen Gentium mostra os modelos vivos da índole escatológica da Igreja peregrina e a sua união com a Igreja celeste, apresentando Maria e a fase final e eterna da Igreja sob o título ‘a Bem-aventurada Virgem Maria Mãe de Deus no mistério de Cristo e da Igreja’.
Pode-se falar de uma peregrinação ou mesmo uma procissão desde a Trindade, a fonte da Igreja, até ao mundo histórico e por fim, à fase do regresso ao céu da vida divina. Por isso, : «a autêntica natureza da verdadeira Igreja, que tem como característica ser, simultaneamente, humana e divina, visível e dotada de realidades invisíveis, empenhada na acção e dedicada à contemplação, presente no mundo e todavia peregrina, mas de forma que o que nela é humano se deve ordenar e subordinar ao divino, o visível ao invisível, a ação à contemplação, e o presente à cidade futura que buscamos» (Sacrosanctum Concilium 2).
A compreensão que a Igreja tem de si mesma é a de uma eclesiologia de comunhão e da missão, uma casa de unidade e de paz. O simbolismo do círio pascal na noite da vigília da Páscoa faz-nos pensar nas três etapas da luz que é Cristo e que se reflete na Igreja: Lumen Christi (Luz de Cristo), Lumen Ecclesiae (Luz da Igreja) e Lumen Gentium (Luz dos povos).
A resposta que surgiu das orações e reflexões dos bispos pode ser lida no documento mais importante do Concílio: «A Igreja abraça com amor todos os afligidos pela enfermidade humana; mais ainda, reconhece nos pobres e nos que sofrem a imagem de seu Fundador pobre e sofredor, procura aliviar as suas necessidades, e intenta servir neles a Cristo. Enquanto Cristo, ‘santo, inocente, imaculado’ (Hb 7,26) não conheceu o pecado (cf. 2Cor 5,21), mas veio apenas expiar os pecados do povo (cf. Hb 2,17), a Igreja, contendo pecadores, no seu próprio seio, simultaneamente santa e sempre necessitada de purificação exercita continuamente a penitência e a renovação» (Lumen Gentium 8).
Esta é a Igreja que eu amo! «Eu te saúdo, ó Igreja, minha mãe, peregrino a caminho da nova Jerusalém» (Hino de Laudes do comum da dedicação de uma igreja). Caros irmãos e irmãs: é preciso acreditar e amar a Igreja, serva e esposa de Jesus Cristo! Que «num mundo dilacerado pela discórdia, a vossa Igreja resplandeça como sinal profético de unidade e concórdia» (Oração Eucarística V/A).
Não tenhamos, ilusões: a comunidade perfeita existe… existe, mas só na eternidade. Educar é como semear, mas o fruto não está garantido, não é imediato. Todavia, se não se semeia, certamente nada se colhe. Umas vezes requer paciência e amável condescendência, outras vezes firmeza e determinação. Não trata de coisas nem de dinheiro, mas de pessoas e do valor inestimável do dom da vida.
São Paulo adverte-nos: «Irmãos, pela misericórdia de Deus, peço que ofereçais os vossos corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus. Este é o vosso culto autêntico. Não vos conformeis com este mundo, mas transformais-vos pela renovação do vosso espírito, para que possais discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito» (Rom 12, 1-2). Precisamos viver mais de Cristo e para Cristo (o cristão precisa dar testemunho) …
Procuremos construir comunidades mais vivas e mais evangelicamente testemunhantes, mas não nos iludamos: a perfeição só a encontraremos quando Cristo for tudo em todos (cf. Cl 3,12). A Diocese deve ser uma grande escola onde devemos aprender a lidar com as diferenças e a descobrir o essencial: Jesus Cristo.
3. Igreja Una, santa
No símbolo da fé (Credo) professamos: creio na Igreja una, santa, católica e apostólica. Estas quatro notas específicas mostram a beleza, o dom e a missão da Igreja.
As duas primeiras caraterísticas, a unidade e a santidade, estão particularmente presentes neste Ano Pastoral da Busca. Graças à unidade, há «um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos» (Ef 4, 5-6). A santidade também é um dom que vem de Cristo, como declara S. Paulo: «Como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, para a santificar, purificando-a no banho da água, pela palavra, Ele quis apresenta-la esplendida, como Igreja sem mancha nem ruga, nem coisa alguma semelhante, mas santa e imaculada» (Ef 5, 25-27).
São Cipriano, Bispo de Cartago, dizia: «para que alguém possa ter Deus como Pai, tenha antes a Igreja como Mãe». Com efeito, o sim a Deus implica o sim ao seu sacramento, a Igreja. Como posso amar e compreender a Igreja? «Sim, a Igreja, toda a Igreja, a das gerações passadas que me transmitiram a vida e os seus ensinamentos; (…) a que trabalha e reza, que age e contempla, que recorda e procura; (…) esta Igreja é minha mãe. É assim que desde o início comecei a conhece-la, nos joelhos da minha mãe terrena» (Henri Lubac).
A Igreja é uma realidade dinâmica. Eu pertenço à fé da Igreja. A fé da Igreja está primeiro, ou seja, o corpo está primeiro, existe antes de mim, não o crio eu. A convicção pessoal ou uma particular disciplina de vida não bastam para fazer de um homem cristão. Uma existência cristã pressupõe a incorporação, a participação na comunidade.
Assim tem sido ao longo na história e hoje é igualmente provocador: «Numa Igreja solidamente instalada e com sapatos de chumbo, ele [São Francisco de Assis] introduz a mobilidade, a ligeireza, a alegria de caminhar, a exaltação da juventude, a alegre impaciência do mensageiro. Redescobre o Evangelho como movimento: como movimento de Deus em direção aos homens» (E. Leclerc).
Unidade pastoral só é possível se existir unidade dos pastores entre si e com o seu Povo.
A comunhão não é um sentimento vago, mas uma realidade orgânica, que exige uma forma canónica e ao mesmo tempo é animada pela caridade pastoral. Trata-se da comunhão partilhada e hierarquizada.
Na fé da Igreja sabemos que é Deus quem chama pela mediação da Igreja. Quando alguém chama tem de haver quem responda. Há duas respostas: uma transmontana quando alguém nos bate á porta e chama por nós, respondemos: «entre quem é» e outra bíblica, referente ao profeta Isaías: «Senhor, eis-me aqui. Envia-me» (Is 6, 8).
Deus já “entrou” em nós pelo Batismo. Já lhe dissemos «entre quem é». A grande alegria e motivo da maior felicidade é viver, porque «Deus é, isso basta» (E. Leclerc).
A Igreja presente em Bragança-Miranda precisa de novos evangelizadores para a Nova Evangelização. Faz Missão! Sê Missão!
4. Igreja é missão
A missão não é só do Bispo, dos Presbíteros, dos Diáconos, das Pessoas Consagradas, dos Leigos, mas compromete todos os cristãos. A comunidade cristã é o lugar onde o Espírito Santo se manifesta (cf. 1Cor 14) com a riqueza dos carismas e «a cada um se manifestam os dons do Espírito Santo para o Bem Comum» (1Cor 12, 7). Na igualdade e na corresponsabilidade da comunhão partilhada e hierarquizada, estamos conscientes que: «a missão é sempre idêntica, mas a linguagem com a qual anunciar o Evangelho pede para ser renovada, com sabedoria pastoral» (Papa Francisco).
A comunhão e a corresponsabilidade pastoral para a missão é, hoje, o paradigma eclesial. O grande desafio é: «A partir do coração do Evangelho… colocar tudo em chave missionária» (Papa Francisco). A Igreja é o povo de Deus a caminho para Deus, um povo peregrino e evangelizador, mais que uma instituição orgânica e hierárquica.
A Igreja missionária é Peregrina das Periferias existenciais. Ela funda-se no Evangelho e na Liturgia e apoia-se nas suas quatro colunas: 1. Doutrina dos apóstolos; 2. Fração do pão; 3. oração; 4. Comunhão. (Diakonia; Koinonia, Liturgia e Palavra – cf. At 2, 42-48): «Por isso foram baptizados no próprio dia de Pentecostes, em que a Igreja se manifestou ao mundo, os que receberam a palavra de Pedro. E “mantinham-se fiéis à doutrina dos Apóstolos, à participação na fração do pão e nas orações… louvando a Deus e sendo bem vistos pelo povo” (At 2, 41-47). Desde então, nunca mais a Igreja deixou de se reunir em assembleia para celebrar o mistério pascal: lendo “o que se referia a Ele em todas as Escrituras” (Lc 24,27), celebrando a Eucaristia, na qual “se torna presente o triunfo e a vitória da sua morte” (19), e dando graças “a Deus pelo Seu dom inefável (2 Cor 9,15) em Cristo Jesus, “para louvor da sua glória” (Ef 1,12), pela virtude do Espírito Santo» (Sacrosantum Concilium 6).
A Igreja é essencialmente missionária, ou seja, «é, por sua natureza, missionária» (Ad Gentes 2). Por isso, «a vocação cristã só pode nascer dentro duma experiência de missão. Assim, ouvir e seguir a voz de Cristo Bom Pastor, deixando-se atrair e conduzir por Ele e consagrando-Lhe a própria vida, significa permitir que o Espírito Santo nos introduza neste dinamismo missionário, suscitando em nós o desejo e a coragem jubilosa de oferecer a nossa vida e gastá-la pela causa do Reino de Deus» (Papa Francisco).
O nosso tempo não é de simples conservação do que existe, mas é o tempo da Missão. O desafio é o de uma pastoral mais profética, para fazermos nossas as palavras iluminadoras e proféticas do Concílio Vaticano II: «as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração» (Gaudium et Spes 1).
«É visível, de facto, que atravessamos hoje um mundo em profunda mudança. Na cidade hodierna cruzam-se pessoas de diferentes cores, culturas, línguas e credos. A busca de melhores condições de vida tão depressa traz para a cidade pessoas de outros países e de diferentes situações sociais, culturais e religiosas, como faz partir também muitos dos seus anteriores habitantes. Dado o crescente pluralismo cultural e religioso, aliado a uma onda de secularização e individualismo e a um crescente relativismo e indiferença, já não são os campanários das igrejas que marcam o ritmo da vida das pessoas. O Evangelho de Jesus Cristo é cada vez menos conhecido. E para uma parte significativa daqueles que dizem conhecê-lo, é notório que já perdeu muito do seu encanto e significado. Este cenário é preocupante e pede, com urgência, à Igreja presente na cidade dos homens uma nova cultura de evangelização, que vá muito para além de uma simples pastoral de manutenção. Deve notar-se que, nas comunidades cristãs primitivas, o termo “Evangelho” é um nome de ação e não de estado, significa “anunciar a notícia feliz da Ressurreição de Jesus”, pelo que não pode ser confundido com um livro colocado na estante que gera vidas colocadas na estante; “Evangelho” significa então “evangelização”, e evangelização implica movimento e comunicação, e requer tempo, formação, inteligência, entranhas, mãos e coração» (Conferência Episcopal Portuguesa, 2010).
A missão parte do coração e dirige-se ao coração, uma vez que «o campo da missão ad gentes apresenta-se hoje notavelmente alargado e não definível apenas segundo considerações geográficas; realmente aguardam por nós não apenas os povos não cristãos e as terras distantes, mas também os âmbitos socioculturais e sobretudo os corações os verdadeiros destinatários da atividade missionária do Povo de Deus» (Bento XVI).
A evangelização é, com efeito, o primeiro e o melhor serviço que a Igreja pode prestar à humanidade inteira. Como lembrou São Paulo VI: «a Igreja existe para evangelizar». A evangelização é a missão essencial da Igreja e a sua mais profunda identidade. Por isso, a Igreja, nascida da missão de Cristo é enviada à evangelização: «ide, pois, ensinai todas as gentes» (Mt 28, 19), existindo, «uma ligação profunda entre Cristo, a Igreja e a evangelização» (São Paulo VI).
Com qual metodologia? «E aí está a nova metodologia, que afinal é a primeira metodologia da missão: a partir de Cristo, com Cristo, como Cristo. Para a fiel realização deste mandato, refere o Papa Bento XVI apontando o Concílio, o cristão “deve seguir o mesmo caminho de Cristo: o caminho da pobreza, da obediência, do serviço e da imolação até à morte, de que Ele saiu vencedor pela sua ressurreição”. E continua: “Sim! Somos chamados a servir a humanidade do nosso tempo, confiando unicamente em Jesus, deixando-nos iluminar pela sua Palavra: “Não fostes vós que Me escolhestes, fui Eu que vos escolhi e destinei, para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça” (Jo 15,16). E deixa este desabafo: “Quanto tempo perdido, quanto trabalho adiado, por inadvertência deste ponto!”. E conclui: “Tudo se define a partir de Cristo, quanto à origem e à eficácia da missão”» (Conferência Episcopal Portuguesa, 2010).
A missão exige a conversão pessoal, pastoral e missionária: passar de uma mentalidade da missão cumprida a um dinamismo do pequeno rebanho, fermento do Reino de Deus; passar das estruturas à missão no Espírito Santo; passar do fazer à criatividade e hoje espera-se muita criatividade pastoral. O que significa? É a capacidade de ver e de responder. A interioridade é a capacidade de querer. O futuro está na interioridade. Jesus não vê a culpa, vê o sofrimento. O segredo é mesmo o Diálogo, isto é, juntar uma palavra no meio, construir juntos um sentido, construir juntos uma verdade; passar do universalismo ao contexto real, como escreveu M. Torga «o universal é o local sem paredes».
A Evangelii Gaudium trata o problema da missão da Igreja e do mundo atual a partir da raiz, ou seja, do Evangelho. Diante da crise da Igreja e das urgências atuais, o Papa Francisco responde com o Evangelho. Só no Evangelho, a fé e a vida cristã podem reconquistar a sua frescura. Só a alegria de uma evangelização com Espírito pode fazer voltar às fontes da Esperança.
Educar, celebrar e festejar no Evangelho é a missão da Igreja serva que proclama a Boa Nova da parte de Deus. A Boa notícia não tem origem humana. À grande maioria do Povo de Deus – os Leigos – serve uma minoria – os ministros ordenados. O dom da graça do ministério ordenado está ao serviço do corpo de Cristo na humildade de quem cheira às ovelhas.
É urgente e necessária a conversão pessoal, pastoral e missionária. Exige-se, por isso, uma fundamental reforma de mentalidade. Não se trata de criar uma nova Igreja, mas de um modo novo de ver a Igreja e de um novo estilo de vida eclesial. A pastoral é o exercício da maternidade da Igreja: «Quanto à conversão pastoral, quero lembrar que “pastoral” nada mais é que o exercício da maternidade da Igreja. Ela gera, amamenta, faz crescer, corrige, alimenta, conduz pela mão… Por isso, faz falta uma Igreja capaz de redescobrir as entranhas maternas da misericórdia. Sem a misericórdia, poucas possibilidades temos hoje de inserir-nos em um mundo de “feridos”, que têm necessidade de compreensão, de perdão, de amor» (Papa Francisco).
Outro aspeto decisivo é o primado da realidade. Muito para além da ideologia reacionária e da utopia fanática, o realismo cristão da alegria do Evangelho é condição para a missão da Igreja.
Igualmente importante é a prioridade a dar à formação dos ministros ordenados, dos Consagrados e dos Leigos. A fé é uma mensagem de alegria sempre surpreendente.
A Igreja não é um sistema federal, no qual as diversas Igrejas locais se unem, nem um sistema central, no qual as Igrejas locais são um conjunto de províncias da Igreja universal. Não, a única e mesma Igreja está presente nas Igrejas locais. Ela existe nas Igrejas locais e a partir das Igrejas locais e estas vivem a partir da única e mesma Igreja universal. À luz do mistério da Trindade, entre a Igreja universal e as Igrejas locais existe uma verdadeira Comunhão das Igrejas (communio).
5. Sonho e conversão integral
A Deus nada é impossível, mas nós podemos fazer todo o possível. No mistério da Anunciação acontece a possibilidade do impossível. Aqui a vida aparece como uma fonte inesgotável de surpresa e de fidelidade ao Amor. Como Isaías (cf. Is 6,8), Maria (cf. Lc 1, 38) diz o seu Eis-me aqui.
Já dissemos a alguma criança, adolescente ou jovem, «olha lá, já pensaste que Cristo precisa de ti?» Penso que Cristo-Igreja ainda não mudou de estilo, continua a passar e a chamar pelos caminhos da vida.
A Vocação-Missão é sobretudo in-vocação, segundo o mandato de Jesus: «Pedi ao senhor da messe, que mande operários para a sua messe» (Mt 9, 38). Na verdade, «o momento da oração nunca é evasão, mas invasão do divino na nossa vida» (São Paulo VI). E Evágrio recomendava: «queres aprender a rezar? Reza!»
«Se não formos, antes de mais, homens de oração, não faremos senão ativismo». E, quanto mais trabalho e responsabilidade, mais oração… Acima de tudo, «não tenhamos medo da bondade e da ternura» (Papa Francisco). «Mas sempre com o amor de Deus e na fidelidade absoluta à Igreja a quem servimos humildemente porque a amamos apaixonadamente» (Pedro Arrupe, SJ).
A Igreja peregrina na nossa Diocese com a Família, a Paróquia, a Unidade Pastoral, a catequese, a escola, a EMRC, as IPSS’s, as crianças, os adolescentes, os jovens, os adultos, os Presbíteros, os Diáconos, as pessoas consagradas, os Leigos, todos os irmãos e irmãs em Jesus Cristo. E recordamos que «no desígnio de Deus, cada pessoa é chamada a um desenvolvimento, porque cada vida é vocacional» (São Paulo VI).
Por isso, é necessário que todos os batizados e crismados tomem consciência da sua própria responsabilidade na vida eclesial. Conforme um desejo de São João Paulo II, no início deste milénio: «Ao lado do ministério ordenado, podem florescer outros ministérios – instituídos ou simplesmente reconhecidos – para proveito de toda a comunidade». Que tudo ajude nas diversas necessidades da Diocese: desde a Catequese à Liturgia, desde o acompanhamento e escuta dos jovens às várias expressões da Caridade.
Este ano, gostaríamos de privilegiar o acompanhamento da fé das crianças das nossas comunidades. É com muita alegria que me dirijo a vós, queridos meninos e meninas da Diocese de Bragança-Miranda, para vos saudar e para fazer chegar até vós uma palavra de muita estima e de encorajamento na confiança em Deus e na Igreja.
Olho para vós com muita esperança! Vós sois frutos da alegria de Deus, testemunhos do Seu amor, sementes de futuro. Continuo a contar muito com cada um de vós, com a vida que Deus em vós acendeu, com a vossa vontade de crescer, com a amizade que quereis cultivar com Jesus, com a vossa capacidade de amar. Espero mesmo a vossa ajuda: juntos podemos fazer crescer em santidade e bondade a nossa Igreja de Bragança-Miranda, família de famílias, onde, como diz o provérbio popular: «os novos têm a força; os velhos têm a sabedoria»! Todos juntos somos a Igreja una e santa!
Caros Irmãos e Irmãos: «Levantemo-nos, pois, a Escritura não cessa de nos despertar dizendo: “Já é hora de despertardes do sono” (Rm 13, 11)» (São Bento).
Santa Maria, Mãe da Igreja e Senhora das Graças, interceda por nós.
Para cada um de vós envio uma especial saudação.
+ José, Bispo de Bragança-Miranda